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O escorpião suicida

  • Foto do escritor: clinicajardins
    clinicajardins
  • 20 de jan. de 2014
  • 3 min de leitura

Quando era pequeno escutava na escola a história do escorpião que se suicidava. Bastava rodear o escorpião com fogo que ele escolhia a própria morte se picando nas costas, era quase poético. Algum tempo depois foi esclarecido que se tratava de uma contração involuntária da cauda por desidratação, o que acontece quando o rodeamos por fogo. Mas nessa hora já não bastava mais uma explicação biológica, minha fantasia continha um escorpião cheio de vontades e morais, com uma causa que o levasse à se matar.


Na verdade isso não é nada raro, humanizar animais, e até objetos inanimados é tão inerente à nossa experiência humana que temos uma figura de linguagem para designar esse movimento, a personificação. O que não é nenhuma novidade quando paramos para observar toda a produção infantil, seja a de crianças ou a voltada para elas, que apresenta diversos objetos falantes com desejos e expressões humanas.


Nada nos separa mais dos animais do que o ritual frente a morte. Não podemos mais anunciar que o uso de ferramentas, a higiene com alimentos, os habitos sexuais ou mesmo a compreensão da linguagem seja o diferencial, mas não encontramos um animal que considere a morte como algo além da ausência de vida.


Talvez essa seja a lição aqui, que nós enxergamos motivos pelos quais morrer, o que poderia nos levar a tirar a própria vida. Como vemos na honra do escorpião, nós enxergamos um eu que precisa de ações e afirmações para se justificar.

“Uma vida sem propósito”, é assim que muitos acometidos pela depressão descrevem sua vivência. Não que a depressão seja a causa maior de suicídio, mas ela é um bom exemplo do que pode levar alguém a escolher dentre todas as coisas se matar.

É contra-intuitívo, visto que pensamos que qualquer problema só poderia ser resolvido enquanto continuarmos agindo, ou mesmo esperando o tempo passar, mas nenhum problema se resolveria morrendo, e mesmo sendo religioso o suicída grande parte das vezes sente que não encontrará nada do lado de lá, não sentirá nada depois de morrer.


Essa crença vem do mesmo que nos leva a montar um ritual em relação à morte, a de que existe alguém que habita aquele corpo, alguém que existe independente daquele corpo, um eu que tem um passado e capacidades específicas.


O suicída procura na maior parte das vezes matar essa pessoa. O fato de que ele morre acaba sendo um efeito colateral indesejado.


Na tentativa de se livrar de tudo aquilo que vemos quando olhamos no espelho, de toda aquela história que parece triste e sem propósito, nada mais simples do que fechar o livro para começar outro, como um reset.


Chamar o suicída de covarde não é inteligente por que não se trata de não enfrentar os problemas, se trata de pensar de uma maneira diferente sobre eles, a situação de vida da pessoa se torna tão angustiante, tão triste, que a desesperada opção de se matar passa a soar como uma boa saída. Mas nem de longe isso justifica o ato, apenas serve para esclarecer as relações que as vezes montamos e passam despercebidas.


A realidade é que o recomeço é uma ferramenta muito usada no dia a dia, recomeçamos a cada dia, a cada semana, a cada semestre, a cada ano.

Recomeçamos um novo ano como novos estudantes, novos amantes, novos consumidores, novos leitores, novos corpos e novos amigos. O ato de se reinventar vem exatamente servir exatamente para se dar conta da imposição interna de se superar problemas que se repetem, questões que nos acompanham a vida toda.


Como os velociraptors de Jurassic Park estamos sempre testando a cerca, para encontrar o ponto que não seja eletrificado e fugirmos da nossa prisão. Mas não se trata de uma prisão física, nem mesmo mental; se trata de questões que não estamos preparados para lidar, e que muitas vezes nessas reviravoltas e recomeços não conseguimos uma resposta melhor.


O tratamento analítico ajuda a encontrar essas respostas, e o auto-conhecimento instrumenta a pessoa a recomeçar no dia seguinte, e no dia depois dele, para não precisar, como o escorpião honrado, terminar com a própria vida. O analista ajuda na tentativa de se encontrar a raiz de alguns problemas, ajudando a cavar, desenterrando o que fica escondido e que pode estar afetando mais do que parece.


Pegando essa história como exemplo, muitas vezes confundimos a motivação suicída com uma paralisia frente ao fogo, mas não se trata simplesmente de ter força e atravessar as chamas, e sim de entender outros caminhos, seja para diminuir o fogo ou para sair dalí voando ou, quem sabe, cavando.


Lucas Nogueira

 
 
 

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